sábado, 22 de janeiro de 2011

Religiões em Angola

As religiões em Angola

Américo Kwononoca

A introdução da doutrina cristã no que é o actual espaço que se chama Angola, teve início com a «evangelização sistemática a partir de 1490, quando os missionários católicos chegaram às "novas terras" e baptizaram sucessivamente o governador do Soyo, em Abril de 1491 e Nzinga Nkhuvu, rei do Congo, em Maio desse mesmo ano». 1 A implantação da Igreja Católica nas áreas do Congo do Ndongo e Matamba
estendeu-se ao extremo leste, nordeste e sudeste até ao século XX. A igreja cristã terá iniciado a sua actividade em Angola na década de 1850, com maior incidência na parte norte e centro. Tanto a igreja católica como a protestante comportam várias denominações e congregações.
A partir do ano de 1980, assistiu-se a entrada em Angola de expatriados de várias nacionalidades oriundos sobretudo da África Ocidental, região de populações maioritariamente muçulmanos (aderentes da religião Islâmica).
Como consequência, deu a implantação dessa religião primeiro em Lunada, estendendo-se actualmente a todo País.
Assim, em Angola regista-se actualmente a presença das religiões cristãs (Católicos e Protestantes) e Islâmica como universais.
O aparecimento de uma variedade de organizações religiosas esteve na base de diferentes interpretações dos textos bíblicos. Assistiu-se ao surgimento do movimento dos antonianos em Mbanza Congo e, mais tarde, como consequência lógica, ao tokoismo no século XX, uma das mais importantes igrejas nacionais, fundada pelo Simão Gonçalves Toko.
Uma outra religião sincrética que tem emergido e encontrado um lugar de destaque na sociedade angolana é o Kimbanguismo.
Decorrente desse fenómeno, verifica-se hoje uma grande proliferação de organizações religiosas que podem ser classificadas em: a) igrejas espiritualistas, b) igrejas dissidentes da doutrina cristã e c) igrejas não cristãs.
Algumas dessas igrejas, surgiram como resposta a situação colonial tendo durante esse período, sobrevivido na clandestinidade, enquanto que outras foram introduzidas pelas comunidades angolanas que a partir de 1974 regressaram ao país.
2  É o monoteísmo actualmente predominante que justifica a crença na existência de um Ser Poderoso e Supremo designado Nzambi (entre Bakongo, Tucokwê e ambundu), Klunga (entre os Ngangela, Kwanyama, Axindonga e Helelo), e Suku ( entre os ovimbundu e Nyaneka Khumbi). Essa entidade suprema considerada como criadora e supervisora do universo, é coadjuvada, segundo os povos bantu, por outros deuses menores mas também poderosos, através dos quais de chega a ela. É o caso dos deuses da fecundidade, da caça, das chuvas, da sorte, da protecção, do gado, entre outros.
Para os Kung denominados pejorativamente pelos seus vizinhos de kamusekele (apreciadores da carne de porco espinho) ou Mukwankhala (comedores de caranguejos) e pelos europeus de bushman/bosquimanos, esse ser Supremo é conhecido como N!dii que significa céu nas línguas de kalahari central, Ndali ou Hishe. Acreditam ter sido afecto significativamente a sua actividade diária, apesar de intervir e ser invocado nos momentos de infortúnio, seca ou outras calamidades.
Os povos bantu crêem na existência de dois mundos, nomeadamente o visível, cujo relacionamento e contacto se efectuam através de rituais, preces e outras cerimónias dedicadas aos antepassados, por intermédio da invocação das forças dos espíritos que coabitam com os homens. Este facto é indicador de uma subordinação ou dependência total dos vivos em relação os espíritos ancestrais.
A inacessibilidade dessa entidade suprema é ultrapassada através do culto aos antepassados, que intercedem junto de Nzambi, Kalunga ou Suku que está no topo das alturas, para que haja chuva, caça, protecção, fecundidade, fertilidade ou punição para os transgressores.
O fundamento da ancestrologia enquanto ramo de antropologia que se ocupa do estudo dos cultos e preces dedicados aos antepassados, tem essa dimensão cultural consubstanciada na interacção entre viventes e antepassados. De recordar que em geral, os bantu na sua idiossincrasia acreditam que as pessoas não morrem mas que transladam deste mundo para o outro com uma dimensão transcendental, onde usufruem das mesmas benesses como comida, roupa entre outras regalias que tinham antes da "mudanças". Este facto determina a realização de cerimónia de ofertas de bens e de veneração aos defuntos.
Regra geral, nas comunidades rurais, antes de se beber qualquer líquido entorna-se um pouco no chão como expressão de gratidão aos defuntos.
Entre os Bakongo e os Tucokue, as cerimónias presididas por entidades tradicionais eleita e reconhecida pelo povo (e sobretudo pelos anciãos), é comum "dar-se de beber primeiro aos antepassados através da aspersão da bebida a partir da boca para a área da cerimónia. Os Bakongos fazem também o nkunda ou três salvas de palma para pedir aos antepassados a autorização para qualquer evento. Em Mbanza Kongo, o sacerdote, profere as seguintes palavras dirigidas aos ankhulu (ancestrais) «Todos os Bakongo vieram daqui, porque deixaste algo importante. Estamos aqui perante entidades para pedir que a festa se realize na tranquilidade dos Nkhulu e não haja incidentes.
Por isso trouxemos maruvu para vos oferecer».
A veneração dos espíritos dos antepassados, expressa nos cultos ritos e nas ofertas feitas pelos vivos, constitui, segundo a tradição, um requisito para a harmonização equilíbrio e tranquilidade comunitários. Caso contrário, a infertilidade a mortandade, as doenças e outros infortúnios que ocorrem na comunidade serão atribuídos aos antepassados como punição pela desobediência.
É justamente por isso, na maioria das comunidades rurais, se acredita que não há doença ou morte que não tenha como causadores, os antepassados "desprezados e não venerados, os quais através dos feiticeiros" 4 tidos como seus emissores, sancionam ou punem os transgressores.
Porém as pessoas têm o direito de consultar os adivinhos para descobrir as causas dos infortúnios para o efeito essa entidades de dimensão sócio-religiosa não comum, manuseia os objectos que se guardam num cesto (os tucokwe designam-no ngombo ya cisuka) fazendo preces aos espíritos ancestrais para darem resposta ao consultante assim este é orientado no sentido de juntar uma série de bens para ser tratado pelo Kimbanda 5. Nos casos das chamadas "doenças espirituais como por exemplo, as pessoas possuídas, mahamba (espíritos dos antepassados cokwe), ou kalundu (espíritos dos antepassados Ambundu), a resposta dos adivinhos tem sido quase a mesma: "os teus antepassados encarnaram em ti para satisfazeres os teus desejos e as tuas falas inconscientes e todas manifestações que decorrem da tua doença é uma emanação deles" 6. Entre essas comunidades históricas (cokwe e Kimbundu), o kimbanda realiza um conjunto de tratamentos com preces ao som de música para afugentar os mahamba ou os kalundú. Neste acto, a pessoa possuída entra em transe (xinguilamento) até ser "liberta", mas devendo continuar a manter um série de obrigações, que entre as quais as ofertas de comida, bebidas e outros bens aos defuntos, num altar montado com figurinhas que representam os antepassados diariamente invocados e venerados.
As cerimónias de raiz tradicional, como componentes da vida sócio-económicas
e cultural, integram e consolidam as instituições e eventos tidos como sagrados. Nas zonas onde a actividade principal é a agricultura, cerimónias rituais são realizadas aquando das primeiras chuvas e nas primeiras colheitas; se for uma sociedade de caçadores, o espírito do animal representa e integra a cerimónia dos caçadores que pode ocorrer na primeira caça dos iniciados ou nas grandes caçadas colectivas, sobretudo entre os Tucokue e os Ngangela.
Na zona piscatória da Ilha de Luanda, a cerimónia da Kyanda, considerada como a padroeira do mar ou "Espírito do Mar", envolve não só a comunidade que se dedica a essa actividade, mas também outras individualidades. Os anciões e um grupo de mulheres vestidas à "besangana" de cor vermelha, vão à beira-mar levando consigo bebidas, alimentos, flores e dinheiro para atirarem ao mar como reconhecimento da prosperidade comunitária a ela devida, e também como uma petição para que as kalemas (ondas altas) não invadam e destruam os bens da comunidade. Em torno desse ritual, crê-se que a bebida serve para embriagar a Kyanda a qual quando estiver sob efeitos etílicos, dormirá profundamente originando a acalmia das ondas e a aproximação do peixe à superfície.
Entre os Nyaneka Humbi, a tradição é praticada e transmitida através de uma instituição conhecida como "Boi Sagrado" realizado anualmente a qual conclui o "cortejo do boi", e é tida como reminiscência dos antigos criadores e pastores. A finalidade desse ritual é inovar os espíritos desses antepassados para proporcionarem a prosperidade e a protecção do gado. Para esse grupo etnolinguístico, os rituais e as crenças em torno da fecundidade têm lugar com a confecção da kikondi (boneca de fibras vegetais) que são
entregues às raparigas casadoiras (logo que apresentam o primeiro fluxo menstrual) as quais as guardarão até gerarem o primeiro filho. Segundo a tradição, a procriação depende em geral desse amuleto, sem o qual a continuidade da vida seria impossível.
A autoridade máxima Nyaneka Humbi é o Ohamba a quem são atribuídos poderes extra humanos. Antes do início das chuvas ele vai junto de uma perda sagrada e anuncia o Ongonjdi (proibição do cultivo da terra depois da primeira chuva, tida como sagrada) à população. Em seguida, o Ohamba realiza um ritual que consiste em mandar cair a chuva, travar ou controlar outros fenómenos atmosféricos. Este ritual é conhecido entre os Mungambwe, sob grupo Nhaneka Humbi, como opululo".

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