segunda-feira, 26 de abril de 2010

A história do candomblé de congo-angola no Brasil



A história do candomblé de congo-angola no Brasil

A história do candomblé[1] de congo-angola no Brasil está amparada quase que só na oralidade do Povo-de-santo angoleiro e seus registros escritos bibliográficos expressivos são muito escassos. Os poucos registros existentes são de Edison Carneiro, dignos de crédito, é verdade, mas em alguns momentos extremamente confusos e pouco esclarecedores. Em Religiões Negras – Negros Bantos, editado pela primeira vez em 1937 ele usa a terminologia reducionista “candomblé de caboclo” para referir-se aos candomblés bantu. Explica o autor que, os candomblés de caboclo eram uma mistura de práticas nagôs, ameríndias e de catolicismo. Ainda segundo ele, os bantu não tinham mitologia nem deuses suficientes para seu culto e por isso apoderaram-se dos orixás nagôs, das figuras de índios e da mitologia indígena, isso tudo sincretizado com o catolicismo popular. Pouco mais adiante, no entanto, ele diz que o único candomblé bantu, de nação Congo existente era o Terreiro de Santa Bárbara, de Manuel Bernardino da Paixão. O que podemos inferir dessa aparente confusão é que o autor, naquele momento, ainda não dispunha de conceitos muito claros a respeito dos candomblés que não se pautavam pelo modelo nagô. Páginas adiante ele reproduz interessante relato do Babalawô Martiniano do Bonfim, que, segundo Martiniano, o primeiro candomblé de caboclo, leia-se bantu, foi o de Naninha, uma senhora mulata, que dirigia seu candomblé no Moinho da antiga roça do Gantois que desapareceu com sua morte. O segundo candomblé de Caboclo, segundo Martiniano foi o de Silvana, que tocava sua roça num local chamado Periperí o que leva Edison Carneiro a concluir com a seguinte afirmação: “Daí, desses dois “terreiros” de caboclo, nasceram todos os candomblés que estamos estudando” (CARNEIRO: 1991, p.135). E notem que o autor estava estudando os candomblés de origem bantu de então, e, continua informando que, ainda segundo Martiniano, os negros angolas costumavam usar tambores grandes, maiores que os dos nagôs e que os tocavam deitados entre suas pernas. Acrescenta ainda, que o velho Babalawô Martiniano recordava-se da seriedade com que o Pai-de-santo Gregório Maqüende dirigia as festas de seu candomblé de nação Congo. Por essas afirmações podemos concluir dessas páginas de Edison Carneiro, que os candomblés de feição bantu, existem na Bahia desde os finais do século XIX, e que, desde seus primórdios cultuavam os caboclos, por isso eram chamados de candomblés de caboclo. É possível que a natureza do candomblé bantu, dada sua mítica, já nasceu cultuando caboclo. É também necessário atentarmos para o fato de que Martiniano do Bonfim foi auxiliar de Nina Rodrigues e que este trabalhou como informante em suas pesquisas nas duas últimas décadas do século XIX e que Martiniano era figura conhecida e circulada nos meios africanos em Salvador. Se o Babalawô se recorda de dois candomblés de caboclo (sic) famosos no final do século XIX é sinal que os Bantu já tinham culto organizado desde então, mas que não foram notados por Nina Rodrigues nem por Manuel Querino. Verdade é que, o único nome conhecido que ele cita é o de Gregório Maqüende, citado no pretérito, portanto, dado já como desaparecido e comparado a Bernardino da Paixão, por sua seriedade na condução de sua casa. Não podemos nos esquecer que Bernardino foi contemporâneo de Edison Carneiro e com ele estabeleceu relações de quase amizade. Em obra posterior, (CARNEIRO: 1982) veremos aparecer os nomes de Ciriáco e Maria Neném não como fundadores e sim como Zeladores de renome, ao lado de Mariquinha Lembá juntamente com o terreiro do Calabetã. Em alguns momentos, Carneiro reconhece a existência de candomblés bantu, em outros engloba todos os candomblés não nagôs no rol dos candomblés de caboclo. Igualmente, não temos encontrado outras referências à fundação ou início dos candomblés bantu na Bahia, a não ser relativo ao funcionamento e fechamento dos famosos Calundus pelo Brasil a fora durante o período colonial, o que não nos autoriza a concluir que os candomblés bantu como os conhecemos tenha sido uma continuação dos Calundus. Ainda nessa linha de raciocínio, encontramos Ruth Landes, que esteve na Bahia no ano de 1936 e em seu livro Cidade das Mulheres, narra a entrevista que fez com Mãe Sabina, famosa, na época, e que era mãe de um candomblé de caboclo, e por isso vivamente censurada pelo povo-de-santo em razão de suas práticas e posturas inovadoras e tampouco era reconhecida pelas Sacerdotisas nagôs. Sabina era continuadora de outra Mãe de Santo, por nome Theodora, essa sim respeitada até por Mãe Menininha, que era um ícone do candomblé de então. Por aí podemos deduzir que os candomblés de caboclo, ou seja, que não eram bantu, mas que cultuavam os orixás caboclizados eram diferentes dos candomblés bantu, diferença essa não percebida claramente por Edison Carneiro. E que, os candomblés legitimamente de caboclos que tinham a frente Sabina e Theodora estavam em sua fase inicial der formação naquele momento, década de 30 do século XX, posteriores, portanto, aos candomblés de Naninha e Silvana apontados por Martiniano. Ainda no já citado Religiões Negras – Negros Bantos, de Carneiro, (1991) o autor nos relata um encontro que teve com o Pai-de-Santo Jubiabá, pai de iniciação de Joãozinho da Goméia, e diz lá claramente que Jubiabá era um Sacerdote de Candomblé de Caboclo o que nos leva a pensar que talvez Jubiabá fosse um sacerdote de Candomblé bantu como sempre afirmou Tata Londirá. Nesse mesmo livro, Carneiro registra algumas cantigas coletadas em candomblés de Caboclo, sendo algumas em português, inclusive conhecidas nossas por as termos ouvido em casas de angola milongada. Outras em Kikongo/kimbundo entoadas até hoje nas casas tradicionais o que é um dado a mais na nossa tese de que Carneiro confundiu candomblé de caboclo com candomblé bantu. Se Silvana e Theodora causavam tanto mal estar nos meios candomblecistas é porque praticavam um culto novo que feria a ortodoxia dos candomblés nagôs, ou seja, não era algo já concretizado e cimentado, mas alguma coisa inovadora e causadora de espanto e mal estar. Por todas essas evidências, podemos concluir que o que Edison Carneiro chama de candomblé de caboclo era na verdade candomblé bantu. E ele próprio afirma através da fala de Martiniano do Bonfim que eles, os candomblés de caboclo (sic) existiam desde o século XIX, permanecendo ainda muito vivo nas lembranças de Martiniano as figuras de Naninha e Silvana, antigas sacerdotisas de candomblé bantu. Martiniano, no mesmo texto, também pontua a maneira dos angolanos tocarem seus atabaques, que eram bem maiores que os atuais (deles) usados pelos nagôs e inclusive à maneira de executá-los. Todos esses elementos nos conduzem a concluir que os candomblés bantu foram criados muito antes da Matriarca Maria Neném, que eles já existiam na Bahia concomitantemente aos candomblés de outras nações e que a importância de Maria Neném, chamada de “A Mãe do Angola” está no fato de que de suas mãos tiveram origem duas raízes importantes do candomblé Bantu, no Brasil, o Bate-Folha e o Tumba Junçara, criadas a partir das ações de Bernardino da Paixão e Manuel Ciriáco e que não sem razão ela, Maria Neném, é figura viva na memória do Povo-de-Santo angoleiro e, por isso, recebeu este merecido epíteto.





QUEM SÃO OS BANTU




O termo bantu foi utilizado pela primeira vez por Willelm Bleek, um filólogo alemão, para caracterizar e definir as línguas africanas que utilizam a palavra um-ntu (pl. ba-ntu) para designar a pessoa humana. Nessas línguas, agrupadas sob o termo genérico ba-ntu o radical é ntu e o prefixo plural ba.


São cerca de 500 línguas aparentadas, como demonstrou Meinhof, um dos estudiosos que confirmaram a hipótese levantada por Bleek, línguas essas faladas por povos negros que vivem na África sub-saariana, e que teriam um tronco lingüístico comum, o proto-bantu. Portanto, quando falamos em bantu estamos nos referindo a povos e etnias cujas línguas têm um tronco comum e não a povos com traços raciais próximos. O que liga os bantu entre si é uma língua oriunda do mesmo tronco e que são gramaticamente aparentadas, pois, em todas elas as palavras são agrupadas por classes em função de seu uso e natureza.

O universo lingüístico bantu, ou seja, os povos de língua comum do tronco bantu ocupam grande porção do continente africano, do centro em direção ao sul, sendo milhares de falantes, compondo numerosos países.

Entre os bantu foram os Bakongos e os Ambundos os dois povos que vieram em número mais expressivo para o Brasil na condição de escravizados e, conseqüentemente aqui deixaram sua marca, assim como em toda a América, continente que ajudaram a construir. Como eram numericamente superiores imprimiram também suas línguas e suas características culturais a outros povos bantu que chegavam em menor número.

Quando os portugueses chegaram à África, (COSTA E SILVA: 2002) na condição de comerciantes, em 1483, foi com os Bantu do Reino do Congo, os bakongo, que eles tiveram os primeiros contatos, àquela altura comerciais e amigáveis. Os bantu de então, ao verem chegar as naus portuguesas e delas descerem homens brancos, acreditaram num primeiro momento que seus antepassados estavam retornando. De acordo com suas crenças, as pessoas depois de mortas são levadas para um local com um rio muito grande, e após se lavarem na água desse rio, ganham morada eterna no seu leito, em meio à lama branca, tornando-se dessa forma brancos e purificados. Os portugueses foram recebidos pelo Rei do Congo, em sua capital, Mbanza Congo e com ele fizeram aliança de amizade, como embaixadores do Rei Português, D. João II. Na partida das terras congolesas, levaram com eles alguns representantes do Rei, que iriam a Portugal conhecer outra civilização e também a religião cristã. De igual maneira, deixaram alguns homens em terras de África para ensinar aos congoleses e aprender com eles sua língua e alguns de seus costumes.

O princípio das relações entre portugueses e congoleses foi inicialmente de respeito mútuo e amizade, o que, infelizmente, não durou muito tempo. Logo, os portugueses passaram a participar de maneira ativa no comércio do tráfico de escravos de forma bilateral com o soberano do Congo, e aquelas relações iniciais que eram apenas de comércio de mercadorias e outros bens, deterioram-se em razão disso.

Os povos bantu fazem uso das línguas bantu que são aproximadamente em número de duzentos e cinqüenta afora variantes e dialetos. Entre essas tantas línguas há duas que nos interessam mais de perto, que é o Kikongo e o Kimbundo, faladas respectivamente, pelos bakongos e pelos ambundos. [1]


No Brasil, principalmente no candomblé congo-angola se faz ainda uso dessas línguas que vieram com os africanos que foram obrigados a emigrar. O kikongo e o Kimbundo são as duas línguas mais usadas nos rituais e no cotidiano das casas de santo de raiz congo angola, ainda que alguns tenham o mau hábito de chamar essas línguas de dialetos. Na verdade, essas línguas não são dialetos, e, sim, línguas plenas e autônomas tais como o português, o inglês e outras línguas européias.

Atualmente, essas línguas, que para nós funcionam apenas como línguas rituais, são utilizadas como veículo de comunicação em Angola, nos dois Congos, e em países limítrofes, faladas por milhares de pessoas.

Como já observamos, entre os vários povos bantu chegados ao Brasil na condição de escravizados a maior afluência se dá de dois povos, os Ambundos, de fala kimbundo e os Bacongos de fala kikongo, sem deixar de mencionar outros povos que também contribuíram em escala menor. Esses dois grupos lingüísticos, ambundos e bakongos estão presentes na vida brasileira de maneira uterina através de danças, cantos, linguagens, modos de ser, religiões. É preciso destacar também que estes povos quando aqui chegaram já vinham cristianizados, pois o contato deles com os portugueses aconteceu ainda no século XV. Por essa razão estes homens e mulheres bantu escravizados eram chamados de negros ladinos pelos escravocratas porque geralmente já se comunicavam em português, conheciam a cultura européia e eram católicos. Alguns eram realmente convertidos, diferentemente de outros que eram católicos apenas por batismo obrigatório – prática usada pelos navios negreiros com anuência da igreja - mas muitos por devoção por terem se convertido ou pelo menos tido algum contato com o cristianismo em suas terras de origem. A devoção a N.Sra. do Rosário já vinha enraizada nos seus espíritos, principalmente daqueles oriundos da área cultural bakongo.


Os estudiosos concordam que o número de homens e mulheres bantu que vieram como escravos para o Brasil e para as Américas é muito superior ao número de escravizados de outras etnias e procedências. Como resultado, temos o fato de que a cultura brasileira recebeu maior aporte dos elementos culturais bantu que dos demais povos da emigração forçada. De origem bantu é nosso samba, nossa capoeira, nossos Reisados e Congadas, além de uma língua portuguesa adocicada – no dizer de Gilberto Freire – no contato com as línguas bantu.

Os bantu escravizados, que chegaram ao Brasil, mesmo pertencendo a etnias diferentes, acabaram ao longo do tempo sendo denominados de angola ou congo. As demais etnias foram pouco registradas e com o passar do tempo outras denominações acabaram sendo incorporadas a essa nomenclatura redutora - escravo congo ou escravo angola - independente do local de origem dessas pessoas. Os grandes portos de embarque sempre foram Luanda, capital de Angola, ou Benguela, também em Angola e os portos de Cabinda, e Loango, no Congo. Os europeus encarregados do tráfico dos escravizados conheciam toda a linha costeira litorânea desde a foz do Zaire até o Cabo Lopes como Angola, e denominavam todos os escravizados embarcados nessa região como Angolas. Os embarcados na foz do rio Zaire, ou no porto Mpinda em Loango eram conhecidos como Congos ou Cabindas.

O candomblé de congo-angola é resultado da vinda de homens e mulheres bantu pertencentes a duas etnias bem marcadas; os bakongos e os Ambundos. Os primeiros habitam no nordeste do país de Angola e parte dos dois Congos e adjacências e os Ambundos ocupam parte do território do oeste litorâneo do mesmo país.

Porque afirmamos que o candomblé de congo-angola foi formado a partir da contribuição desses dois povos? Porque a língua ritual utilizada nas cerimônias, rezas e louvações são o kikongo e o Kimbundo, idioma praticado por esses dois povos, além de que, as divindades cultuadas nas casas de congo-angola têm procedência congolesa, em sua maioria, ou procedência ambundo. Evidentemente estamos cientes de estar sendo um pouco reducionistas, pois temos ciência de que outros povos bantu deram sua parcela de contribuição e por essa razão vamos encontrar uma ou outra divindade com característica de outro povo bantu. No entanto, grosso modo, a predominância é dos congos seguida dos ambundos, até porque outros povos aqui chegados, dada a predominância numérica desses dois grupos, acabavam se adaptando a maneira de ser, à língua e à religiosidade dominante.




1.2 – POVO BAKONGO



Os bakongos e ambundos[U1] [2] apresentam uma característica que é peculiar a todos os povos bantu, que é a extrema capacidade de assimilação e adaptação às condições, valores e crenças locais. São capazes de elaborar sucessivas releituras daqueles elementos religiosos que lhes são estranhos, recriando sempre e em cada circunstância um novo discurso de sua vivência e prática cotidiana, acrescidos dos elementos até então exógenos a sua cultura. Quando do contato com os portugueses, sobretudo na esfera da religiosidade adaptaram-se perfeitamente ao catolicismo português, aceitando as novas divindades e seus atributos, cultuando os santos católicos ao lado de suas próprias divindades. Debalde clamavam as autoridades eclesiásticas portuguesas em África ou no Brasil de que os negros estavam usando os santos católicos à maneira de feitiços, tal como usavam suas próprias divindades, acrescidos do fato de que em África, brancos católicos acabavam recorrendo aos poderes e saberes dos sacerdotes tradicionais. Os casamentos de nativos, ou casamentos mistos, eram celebrados na igreja de acordo com os ritos católicos, só que ao som de tambores e embalados por crenças nativas. Os enterros e velórios recebiam tanto a benção do padre católico quanto os exorcismos e oferendas do sacerdote da terra. A aceitação do catolicismo por parte dos africanos bantu sempre foi tranqüila na África ou no Brasil, mas sempre de acordo com suas conveniências e decisões. No congo, relatam os cronistas, os santos católicos eram levados em procissão e louvados ao lado dos Minkissi o que causava nos padres Capuchinhos profunda repugnância e revolta. As irmandades religiosas brasileiras são a clara demonstração dessa maneira peculiar de como os povos bantu encaram a questão da religiosidade. No pensamento mais profundo bantu impera a lei do nguzu ou do móoio, força vital que perpassa todos os elementos animados ou inanimados assim como todos os seres humanos, não humanos e celestiais. Tudo possui nguzu e sem ele não há vida, não há movimento, não há realização. O nguzu diminui ou aumenta de acordo com o procedimento do indivíduo e sem ele o homem torna-se um morto-vivo. Uma estátua ou um ídolo podem tornar-se vivos e atuantes de acordo com o nguzu que recebe das mãos daquele que o confeccionou ou daquele que através de seu próprio nguzu elaborou elementos para a sua vivificação. Tudo que existe pode receber mais nguzu e tornar-se mais potente e ao contrário, pode também na mesma medida perder nguzo, tornar-se impotente e findar-se. Segundo a lógica bantu, Kalunga, aquele que se criou a si mesmo, ou Nzambi Ampungo, o grande criador, é a fonte de toda a potência e dele emana nguzu continuamente, por isso sua criação é eficiente, presente e contínua.


Os bakongos foram o primeiro povo a ter contato com os portugueses, em 1483, através do navegador Diogo Cão que aportou na foz do Rio Zaire. O navegador foi acolhido pelo Mani de Soyo, dignitário de uma província do noroeste do Reino do Congo na época em que governava o Reino o manicongo Nzinga a Nkuwa, que reinava da capital Mbanza Kongo, a alguns quilômetros terra adentro. O contato com os congoleses foi amistoso e Diogo Cão levou alguns bakongos consigo para o reino, cujo monarca representava e também deixou alguns homens em terra do manicongo. Quando retornou em 1485 os quatro bakongos que haviam passado dois anos em Portugal fizeram relatos muito positivos ao Rei sobre os novos instrumentos de guerra que conheceram, as novidades que viram, o que impressionou vivamente o Rei. Essas informações convenceram o Manicongo a enviar uma embaixada ao rei português, D.João II com o objetivo de aprender com os portugueses tudo aquilo que seus súditos haviam visto no outro lado do mundo, e com esses conhecimentos, ele, o manicongo, tornar-se-ia um monarca muito poderoso. Por sua vez, o rei português sonhava em solidificar em África alianças que garantissem sua passagem tranqüila para as Índias, essa sim, alvo da cobiça comercial portuguesa. A aliança entre os dois monarcas teve como conseqüência a cristianização do congo, num primeiro momento, e a implantação do escravismo comercial e da dominação portuguesa em África.



Os bakongos, hoje, ocupam as províncias angolanas de Cabinda, Uíge e Zaire, onde nesta última se localiza a antiga capital do reino do Congo. É a terceira maior população de Angola e suas provinciais situam-se a noroeste do país. São agricultores e sua principal fonte de alimentação está no plantio da mandioca, que consomem crua, cozida ou em forma de farinha. É um povo que se organiza em clãs e tem na Kanda, o clã por descendência matrilinear, seu maior esteio e apoio. Há um provérbio congolês que diz: Alguém apanhado fora do clã e como um gafanhoto sem asas.

Na esfera religiosa, grande parte é cristã desde o século XVI por influência portuguesa, mas continuam a professar sua religião tradicional. De acordo com suas concepções religiosas cada pessoa compõe-se de quatro elementos: o corpo (nitu), duas almas, uma espiritual e outra sensível ( moio e mfumu kutu ) e um nome (Zina). O deus criador é Nzambi Ampugo, mas raramente se dirigem diretamente a ele e sim por intermédio dos antepassados, os bakulus ou os Minkissi.







CRENÇAS BAKONGO


Para os bakongos Nzambi Ampungo é o deus criador que se criou a si mesmo ou é o incriado. Como primeiro ato de criação, Nzambi criou um grande saco[3] colocando nele todas as coisas necessárias a sobrevivência do homem. Depositou ali o ar, a terra, a água, o fogo, os animais úteis e perigosos ao homem, as plantas comestíveis e venenosas, a maldade e a bondade, ou seja, tudo que fosse necessário para o homem viver em harmonia. Criou também as divindades, boas e más, as atitudes, a saúde e a doença. Feito isso, Nzambi deu um nó na boca do saco, selando com esse nó o segredo da vida, pertencente apenas a Nzambi e a ninguém mais.


Para o homem bakongo, viver bem é viver de acordo com as leis da natureza, buscando a harmonia entre todas as coisas, pois, segundo ele, o bom complementa o ruim, o falso complementa o verdadeiro, e assim por diante. Tudo pode ser feito pelo homem, todas as ações são possíveis e factíveis, apenas ao homem não é dado conhecer o segredo da vida, o nó feito por Nzambi ao fechar o saco da criação. Quando o homem descobrir e compartilhar esse segredo com Nzambi o saco da criação se autodestruirá porque o segredo da vida foi desvendado e esse só Nzambi pode saber.

Como todos vivem no mesmo saco da existência a comunidade é composta não apenas dos homens vivos, mas também dos homens mortos (os antepassados) e daqueles que estão para nascer. Nenhuma atitude mais séria, ou uma ação mais objetiva são tomadas na comunidade sem antes se consultar o antepassado, ou um Nkissi. Daí que a figura do Nganga, o sacerdote é muito importante entre esse povo.





O POVO AMBUNDO



Os ambundos compunham o outrora reino de Ngola, nome que nomeia hoje o moderno país de Angola e foram contatados oficialmente pelos portugueses, através de um navegador chamado Paulo de Novais, em 1565. Nessa época era rei Ndembi a angola que mandou por Paulo de Novais, ao rei português, 40 argolas de cobre, 40 peças de pau aromático, 35 presas de elefante e alguns escravos, não recebendo nenhuma notícia de Paulo Novais, nem dos presentes que enviou ao monarca português, durante dez longos anos. Quando Paulo Novais voltou, em 1575 já era outro rei a governar Angola, e dessa vez Paulo Novais trazia em sua companhia 700 soldados, marinheiros e artífices, além de padres jesuítas acomodados em sete ou nove navios. Foi a cobiça que motivou Paulo de Novais a voltar a Angola, pois se acreditava que o país fosse rico em jazidas de prata, cobre e sal e que através de Angola poder-se-ia alcançar o fabuloso reino de Monomotapa no outro lado do continente, em Moçambique.

Paulo de Novais fundeou seus navios na ilha de Luanda, na época pertencente ao rei do Congo, de onde o mesmo extraia cauris que usava como moeda corrente no seu reino.

Apesar das cautelas do rei de Angola, os portugueses saltaram da ilha de Luanda para terra firme, onde começaram a construir capelas, casas, feitorias, todo o necessário para estabelecerem-se e principiar um lucrativo negócio de venda de escravos tendo como parceiro o próprio rei de Angola que já praticava esse comércio há tempos com outros portugueses e europeus de várias procedências.

Os ambundos, povo de língua kimbundo, ocupa grande parte do país, desde o oceano atlântico, no norte de Angola, em direção ao interior, até o rio Cuango. São tradicionalmente agricultores e seu principal cultivo também, como os bakongos é o da mandioca, e por extensão, sua principal fonte de alimentos. Foram pioneiros no plantio do arroz e produzem café de boa qualidade para exportação. Talvez seja o grupo mais assimilado à cultura européia, e foi o primeiro a ter escrita para sua língua, o kimbundo.





CRENÇAS DOS AMBUNDOS


Os ambundos acreditam que a vida se dá na terra e também no além-túmulo e que o espírito dos antepassados está sempre presente entre os homens vivos, na forma de antepassados (bakulus) e ancestrais. O antepassado pode ajudar ou atrapalhar a vida dos vivos aparecendo a seus descendentes em forma de sonho, e premonições. Pode também vir até seus descendentes através do xinguilamento, ou seja, incorporação de um morto numa pessoa viva (médium) para ditar seus desejos ou suas repreensões e maldições.

Além dos espíritos dos antepassados, os ambundos também cultuam algumas divindades ligadas aos elementos da natureza como as Kiandas e os Kituxis, que deverão ser continuamente apaziguados para não causarem malefícios aos homens vivos.




As crenças e modos de ver o mundo dos bantu, apesar de variar em características de um povo a outro, mantém certa unidade de pensamento e crença, variando muitas vezes apenas a maneira de nomearem as divindades ou os gênios da natureza. As grandes diferenças são meramente lingüísticas, pois as divindades são quase sempre as mesmas, com os mesmos atributos e encargos. No entanto, o que nos foi legado pelos africanos naquilo que se convencionou chamar de candomblé de congo-angola, têm um forte substrato bakongo como evidenciaremos nos capítulos seguintes. No entanto, as crenças entre os bakongos e ambundos não oferecem diferenças estruturais como vemos nesses poucos exemplos a seguir.

A figura do Kimbanda, entre os Ambundos, equivale à figura do Nganga entre os bakongos. O papel desempenhado pelos antepassados se equivale entre os dois povos, e também o das divindades das águas, dos fenômenos atmosféricos e naturais, portanto, nossa herança religiosa não apresenta grandes discrepâncias no tocante ao panteão ou as práticas rituais. Enquanto a Umbanda tem um caráter mais Ambundo – há uma religião muito semelhante em Angola registrada por Oscar Ribas em Ilundo - o Candomblé de Congo-Angola tem mais elementos do povo bakongo, como demonstraremos em outro capítulo.



[1] Os ambundos são o segundo maior grupo étnico de Angola e os bakongos o terceiro.

[2] Bakongo plural de kongo


[3] Em kikongo esse saco chama-se fútu







5.0 PRINCIPAIS DIVINDADES QUE CHEGARAM AO BRASIL






5.1 Panteão das casas Congo/Angola no Brasil de hoje.


Basearemos nossas análises a partir do panteão de uma casa que descende da mais tradicional casa de Angola do Brasil, o Tumbansi, fundado pela matriarca Maria Genoveva do Bonfim, Mameto Tuenda dia N’Zambi, conhecida por Maria Neném, em Salvador-Ba. hoje dirigida por Mameto Lembamuxi, e situada no bairro Tancredo Neves. A casa descendente chama-se Kua Dianda Inzo Ia Tumbansi Tua Nzambi Ngana Kavungu, dirigida por Walmir Damasceno, Tata Takuvanjensi. Esta casa situa-se em Itapecerica da Serra, Sp. e, encontra-se, segundo seu dirigente, num processo de reafricanização ou pelos menos num processo de revisão lingüística e litúrgica, tentando afastar-se do modelo nagô e aproximar-se cada vez mais de suas raízes bantu. O que na verdade, seu dirigente procura é uma identidade própria do povo-de-santo angoleiro.


Inzo Ia Tumbansi Tua Nzambi Ngana Kavungu


Mpambu Njilla

Nkosi

Mavambo

Mutakalambô

Ngunzu

Nkongobila

Katendê

Mpanzo

Kingongo

Nsumbu

Kavungu

Hongolô

Nzimga Lubondo

Nzazi

Luango

Matamba

Uambulu’n’sema

Kaiongu

Kapanzu

Ndanda Lunda

Ndanda

Kianda

Samba Kalunga

Kukueto

Nzumbarandá

Lemba Dilê

Lemba Gima



Estaremos usando aqui até a exaustão o termo nkissi, mas no universo lingüístico bantu vamos encontrar diversos outros termos para nomear as divindades. Entre os povos da Lunda usa-se Hamba (sing) Mahamba (plural), entre os Tchkowe usa-se akixe (sing.) Mukixi (plural), designando divindades similares ao Minkisse cultuados no Brasil, inclusive alguns deles se confundindo com os daqui. No entanto, usamos o termo Minkisse por se tratar da nomenclatura utilizada pelos povos bakongos e por sua utilização ser ampla entre o povo de santo de congo-angola, no Brasil. Em 1938, Edison Carneiro usa a palavra Inquices – com essa grafia mesmo – para referir-se as divindades bantu, e não usa os termos Mukixis ou Mahambas. Esses dados que foram colhidos por ele em conversas com os bantu da época, é um reforço à nossa idéia de que o culto de congo-angola no Brasil tem um destacado componente congo como tentaremos demonstrar em outra parte deste trabalho. Ora, se houvesse, na época, cultuadores de mahambas ou de mukixis, certamente Carneiro teria feito alguma referência a esse fato e se não o fez é porque não ouviu de nenhum de seus informantes essas referências. Até hoje, mesmo os angoleiros mais milongados usam a terminologia de Nkissi, mas jamais ouvimos alguém falar em Hamba ou Akixi, termos estes introduzidos recentemente pela camada mais letrada do povo de santo angoleiro Esse grupo, geralmente mais escolarizado, tem se dedicado a um resgate e revisão da cultura e religiosidade bantu no Brasil.

O que são os Minkissi? O singular de Minkissi é Nkissi e encontraremos nos dicionários e nas etnografias escritas pelos Padres e Missionários católicos o termo traduzido como feitiço, e quase nunca como um deus ou força da natureza. No entanto, na compreensão do Povo-de-Santo de congo/angola, o Nkissi é uma força da natureza, uma energia viva manipulável de acordo com os interesses e necessidades dos homens. O Nkissi, no entendimento dos seus adeptos, é uma força, uma energia (nguzu) que vem das manifestações da natureza, como o raio, o trovão, a água salgada, a água doce, a chuva, e outros fenômenos atmosféricos, assim como plantas, e animais. Tudo que é vivo está interligado ao homem e pode transmitir-lhe nguzu em maior ou menor quantidade de acordo com os ritos propiciatórios. Para o homem do universo bantu todas as realidades, humana, animal, vegetal, mineral é sagrada e faz parte de um mesmo universo, tanto quanto a comunidade tradicional é formada pelos homens vivos, os homens mortos e os que estão para nascer. A energia que perpassa todas estas realidades chama-se nguzu e está sempre à disposição dos homens vivos que poderão manipulá-la para o bem ou para o mal, de acordo com a visão não maniqueísta do homem africano e por extensão a do afro-brasileiro. Segundo a lógica de compreensão africana, Deus ao fazer o mundo, o fez de maneira que, uns seres precisassem dos outros, o que há de sobra em um está faltando no outro, o que é o mal para um é um bem para outro. Nessa lógica, todos os seres estão interligados e por uns necessitarem dos outros pudessem criar um mundo de harmonia e equilíbrio. Nessa concepção, mal e bem não são realidades excludentes, mas, complementares, na direção de completar a criação de Deus. Todos os seres vivos, homens, animais, plantas, cursos d’água e todos os demais elementos da natureza estão a serviço de um bem comum em cujo epicentro está o homem, a última criação de Deus como podemos vemos em diversas mitologias.



Segundo o dicionário de kikongo/francês Nikisi é




“Nkisi 4 : feitiço (estatueta, recipiente ou amuleto), talismam, encantamento, instrumento mágico de sortilégio; medicamento real ou de ordem mágica; produto químico ou mágico. Nganga : feiticeiro; Sakumuna: avivar a potência de um feitiço (invocação por campainhas ou chocalhos, por cuspição de nós de cola mastigada, libação de aguardente – malafu, algumas moedas, tecidos, ornamentos e outros objetos.”

STARTENBROECKX:s/d p. 447 – tradução livre do francês.


E segundo o dicionário de português/kimbundo nguzu é


Energia: s.f. KIMB – Nguzu, kiambe, kibalu, upanji

MAIA: 1961. p. 227



O padre Martins, que viveu e trabalhou entre os Cabindas durante muitos anos dá a seguinte definição de Nkissi:


“ Há entes sobre-humanos que, por vontade de Deus, governam o mundo em seu lugar: são principalmente os Bakisi (Nkisi –pl. Bakisi) os gênios no sentido mais amplo da palavra” ( MARTINS: S/D p. 8e9)


O nkissi, segundo essas definições, é uma força viva, é uma energia, o nguzu, que no Brasil, tanto como na África bantu é apreendido e manipulado pelo sacerdote, através de cantos, orações e invocações. No Brasil ele é assentado numa vasilha de barro, ou no próprio barro, e no seu conteúdo há folhas, frutos, bebidas e outras especiarias. Ao mesmo tempo, o Nkissi pode, através do transe mediúnico, manifestar-se junto aos humanos para através da dança sagrada reafirmar o seu poder e sua força entre eles, recolocando e redistribuindo o nguzu, elemento indispensável à vivência humana e social, a manter o equilíbrio criado por Nzambi Ampungo.

Itana Mutararê, (MUTARARÊ: 2006/07/08) estudiosa de cultura bantu, elaborou interessante texto sobre a força vital o Nguzu, nas páginas da internet, na comunidade Candomblecistas com a palavra, definindo o termo nguzu, que vale a ver na íntegra o que diz a articulista:


NGUZO-HAMBA: Essência Divina da Existência

“Levando em conta a grande diversidade de povos com idiomas do tronco lingüístico bantu e suas diferentes origens e relações ao longo da historia, não se encontra, em absoluto, uma uniformidade nos princípios filosóficos que regem a vida dos mesmos. Entretanto, observa-se no grupo lingüístico bantu uma característica gramatical proeminente, que é o uso extensivo de prefixos; desta maneira, tem-se o vocábulo NTU, como força universal que se manifesta em tudo o que existe, visível ou invisível, material ou espiritual: o "Muntu" : o homem, a pessoa, o assunto, o inventor, o autor, o artesão da situação (pessoa viva ou morta); depois, o "Kintu": o objeto, a coisa, a vítima da situação; depois, o "Kuntu": o quando, a forma; e finalmente, o "Hantu" : o lugar, a posição do evento. Conforme pode ser observado, a raiz comum a estes quatro elementos é "ntu". A tradição oral africana, seja bantu ou yorubá, mantém que antes da criação do universo, existia somente uma energia geradora da força vital. Com o tempo, esta força assumiu a consciência daquilo que nós angoleiros chamamos de Nzambi Npungo, Criador do Universo e de tudo que nele tem nascido. Nessa perspectiva, NOMMO é nguzo(força), é mukondo, é kunema, é dizonda, e kutena, é uiala, é muenhu, é nguzu ia Zambi; em kikongo é nkuma, é nfinga, é lulu-ndu, é lubalu, é luxiamu, é moio, é ngolo ia muanda. É a força vital que nasce com O SER HUMANO. Todo ser vivo a possui, porém é mais poderosa no HOMEM porque além de proporcionar inteligência e capacidade de falar, lhe proporciona capacidade de escolher. Intervém na fertilidade e na fertilização, porém não é suficiente para produzir um novo ser humano completo, um muntu. Este só estará completo quando os que o concebem (seus pais) lhe dão um nome. Antes disto é apenas um kintu, e se morrer, sua força vital desapareceria e não continuaria existindo no mundo dos mortos. O homem (o pai) é quem dá o nome, é quem ativa o nommo com o som da palavra para que o ser deixe de ser kintu.

Acredita-se que quando o universo foi criado, a cada coisa (para o africano tudo tem vida) lhe foi dado ntu, nguzu, força, vitalidade, poder de existir, uma energia mística da qual dependem as muitas essências de vitalidade e de existência. Está presente em todas as coisas, concretas ou abstratas. Humanos, animais, plantas, rochas, cursos d’água, colinas, savanas, possuem nguzo, em vários graus, em todos os lugares e em todas as coisas. Longe de ser um Deus remoto, como amiúde é descrito na literatura, Nzambi Npungo é eternamente presente e ativo, através de nguzo, em todos os elementos do universo. Deste modo, nguzo deve ser entendido como a presença prolífica da Divindade em tudo o que há no universo. Nzambi impulsiona a vida e a matéria. Como estas são “filhas” ou emanações da Divindade, ambas são produto e condutoras de nguzo, colocando um “pedaço” de Nzambi e da sua graça em cada elemento do universo. Então, através de nguzo, Nzambi é Onipresente, Onisciente e Onipotente, sempre atento as ações do universo, particularmente com aquelas dos seres humanos.O nguzo não é visível nem se pretende personificá-lo. Não se pode defini-lo por atributos e características determinadas. É força, poder e mistério que envolve todos os Minkici. Nguzu é Força, é Nkici, é divindade, vida, existência, essência, poder, energia, vigor, força, vitalidade, causa e efeito, graça, remédio, conhecimento, autoridade, sabedoria, experiência; nguzu é tudo. Os adivinhos enfatizam que nada deve ser subestimado, desde que o seu grau de nguzu nunca poderá ser completamente determinado.O nguzu é ao mesmo tempo universal e imortal, mas nunca estagnado ou imutável. É uma energia maleável que pode ser reinterpretada e revigorada, constantemente evoluindo e crescendo através do tempo. Os humanos são os principais beneficiários desta energia. Desde que estes prosperaram separadamente em seus meios ambientes, nguzo tem sido aprendido, interpretado, entendido e aplicado em diferentes maneiras e em diferentes momentos.

Os bantus o chamam de nguzo ou móio; os hindus o chamam de darsan; os chineses falam do Ch’i; na Polinésia foi conhecido por mana. Para os africanos e para os adeptos do Candomblé, a dualidade entre um Ser Supremo Onipotente e Sua antítese é inexistente. Zambi e Nguzo são as causas de tudo, seja positivo ou negativo. É o Alfa e o Omega, Yin e Yang, começo e fim. Bem e/ou mal são resultados de ações humanas e não de uma batalha cosmológica entre duas entidades ou duas forças.Um provérbio utilizado na adivinhação nos lembra que: “para que haja o bom, tem que haver o mau”. NGUZO é neutro. Ele é “nem bom nem mau, nem moral nem perverso, nem puro nem impuro, algo mais do que energia elétrica ou nuclear”.NGUZO é simplesmente um tipo de energia irrefreável que é geradora por natureza; um poder no bruto que quando acessado pelos seres humanos é direcionado, e seu propósito é definido de acordo com a situação particular e/ou com a necessidade individual. É a ação humana, e não a energia por si mesma, o que determina onde e como NGUZO é usado ou mal empregado. O caráter moral é de extrema importância em seu relacionamento com NGUZO, desde que o comportamento apropriado na Terra influencia o acesso humano a NGUZO, tanto na vida presente quanto na ulterior. ZAMBI monitora a conduta de um indivíduo, durante a vida deste, através dos DEUSES que mantêm “registros” do comportamento humano. Portanto, se falar que pessoas amorais, viciadas, sem religiosidade, têm nguzo para construir ou doar coisas boas porque o Nkici “não interfere” no livre arbítrio de seus filhos, é um equivoco. O Nkici de fato, não interfere; mas se o mutue é limpo, se as obrigações estão em dia, se a pessoa tem índole digna, nas situações adversas ele induz ao certo, o que não é interferir, e sim, nos ajudar.

Os seres humanos podem se encarregar desta energia e usá-la para satisfazer suas necessidades, idealmente, para o avanço material e espiritual, individual e coletivo e para o desenvolvimento do seu caráter moral que ordena respeito e reverência. Uma vez em harmonia com nguzu, os seres humanos passam a viver suas vidas produtiva e plenamente.


Chukwudi, Emmanuel. Pensamento Africano – filosofia

-----------------------------Pensamento africano, cultura e sociedade. Ed. Bellaterra





As idéias de Mutarare apenas reforçam o que dissemos acima e corrobora o pensamento de Nei Lopes, (2005) que em livro lançado em 2005 sobre as culturas africanas diz textualmente que entre os povos bantu há a crença numa energia que perpassa todo o universo, visível e invisível, a que dão o nome de mooio ou nguzu. Essa energia, segundo o autor, está presente em todas as coisas, inclusive no som e na fala dos homens.


José Martins Vaz (1970) que viveu e trabalhou em Angola dà-nos a seguinte informação sobre o assunto:


“ Se o feiticeiro evoca – por palavras, gestos, símbolos, cerimônias – um determinado poder sobre uma estatueta, esta fica animada, dinamizada pelo poder que resolveu conferir-lhe. Se outro feiticeiro exorciza – por palavras, gestos, símbolos, cerimônias – um mau espírito para que deixe de atormentar um seu consulente, o interpelado só terá de obedecer a palavra, à vontade de quem tem poder sobre ele e sobre a sua atividade. Daí os cabindas terem certa hierarquia de poder, força, valor, entre os seus feitiços. Mais ainda: além dos feitiços têm os contra feitiços para neutralizarem os efeitos nefastos dos primeiros. Também os feiticeiros têm a sua hierarquização. E daí o preço da consulta ser também diferente de uns para outros. ( VAZ, José Martins: I vol. 1970, p.24 )

É corrente entre vários povos do universo bantu, com ligeiras variações de povo para povo, mitos e lendas que explicam o surgimento dos Minkissi. Dessas lendas, uma nos parece mais coerente com o pensamento brasileiro a respeito do assunto, e por isso, vamos transcrevê-la.


Dizem os antigos que na antiguidade o povo bantu prestava certo culto e que, neste tipo de culto, um determinado chefe bantu tinha o costume de se dirigir a uma montanha e lá fazer suas preces diretamente à Nzambi, sendo sempre atendido. Acontece que este chefe vem a falecer e seu filho o sucede em suas funções, só que o filho não sabe como desempenhar as atividades do pai, temendo estar diretamente em contato com Nzambi, como fazia seu pai. Ele fica desesperado, não sabe como agir e seu povo precisa de ajuda. É aí que lhe ocorre: apenas meu pai tinha coragem de estar diretamente com Nzambi, porque então não chamar de volta o espírito de meu pai para que ele possa interceder por mim e meu povo perante Nzambi?E assim foi feito. O filho traz de volta o espírito de seu pai, que torna a fazer suas preces perante Nzambi. A aldeia volta a receber as bênçãos através de suas preces, até que gradualmente, cada chefe de família passa a se utilizar deste método. Com o correr do tempo, cada família adota seus próprios espíritos ancestrais, que a princípio eram tratados como simples intercessores perante Nzambi, mas posteriormente passaram a ser o objeto principal de adoração. Por fim, Nzambi acaba sendo deixado de lado, e só são invocados os Minkisi, e os ancestrais divinizados.

Vejamos textualmente o que nos informa o jornalista Gil Gonçalves sobre os gênios da natureza cultuados pelo povo kimbundo, na Angola de hoje. Com ele a palavra de testemunha ocular e contemporânea dos fatos narrados.



Kimbundos de Luanda





Os Quimbundos de Luanda conhecem os «quituta» que vivem nos rios, bosques, rochas, fontes. Podem aparecer em forma de cobra com chifres ou de monstro horrível e encarnar através do pai ou da mãe. Também acreditam nas «quiandas», sereias que aparecem na forma de pessoa, costumam ocasionar deformações físicas.Os génios fixam o seu habitat em lugares e árvores especiais. Para vários angolanos, alguns embondeiros gigantes, os baobás, ficam sacralizados com a presença de génios bons e protectores, e constroem ao pé deles pequenas cubatas-santuários onde lhes oferecem culto. Era frequente dependurar os cadáveres dos feiticeiros dos seus ramos, para que os génios impedissem as suas acções nefastas.Controlam muitos lugares da natureza, quando habitam neles, bem como as actividades humanas nesse meio.Há génios no ar, na chuva, na tormenta, no fundo da terra, nas selvas, lagos, rios, nas nascentes, na caça e pesca, nas culturas, viagens, estepes e até nas enfermidades misteriosas.





LENDA DE NZAMBI





Segundo a história tradicional e oral, que o Autor ouviu, da boca dos mais idosos e categorizados chefes destas duas tribos, Lundas, Tutchokwe e todos os povos negros descenderiam dos Bungus e estes directamente do Nzambi (Deus supremo da mitologia tchokwe).Eis, pois, tal como nos foi contada, a história da criação do Universo e a ascendência divina destes povos.0 Nzambi, a quem também chamam Ndala Karitanga (Deus que se criou a si próprio) e Sã Kalunga (Senhor infinitamente grande, Deus supremo e infinito), depois de ter criado o Mundo e tudo quanto nele existe, criou uma mulher para que fosse sua esposa e para que, por seu intermédio, pudesse ter descendência humana, a fim de que esta povoasse a Terra e dominasse todos os animais selvagens, por ele também criados. Disse a sua esposa que passaria a chamar-se Ná Kalunga, em virtude de a filha que iria dar à luz, se chamar Kalunga.Com efeito, tal como o Nzambi tinha anunciado, passados nove meses, nasceu sua filha Kalunga. Esta foi crescendo como qualquer criança normal, junto de seus divinos pais, na tchehunda tcha Nzambi (aldeia de Deus).Logo que sua filha atingiu a puberdade, o Nzambi, seu pai, informou Ná Kalunga, sua esposa, que tencionava fazer uma caçada, durante os três meses da época seca e que, para não ir sozinho, levaria sua filha com ele.Esta resolução não agradou à divina esposa que tentou opor-se a que sua filha o acompanhasse. Porém, o Nzambi lembrou-lhe que ela tinha sido por ele criada para lhe obedecer, visto que, além de seu marido, era também seu Deus.

A partir dessa altura, o Nzambi passou então a viver maritalmente com sua filha Kalunga, a qual, depois da morte da mãe passou a chamar-se também Ndala Karitanga e a ser a segunda divindade.(extraído da Comunidade Candomblecistas com a palavra, postagem de Itana Mutararê)


Os candomblés de congo-angola têm esta prática e é através dela que ele, o candomblé bantu, se perpetua e preserva as tradições de seus antepassados. Os sacerdotes e as sacerdotisas, chamados de Tata e Mameto respectivamente, são os detentores do poder e do nguzu junto aos Minkissi e seus filhos-de-santo – pessoas iniciadas por ele, num ritual chamado de feitura de santo - assim como às pessoas que os procuram para resolver os mais variados problemas.

Segundo Placide Tempels,


“ As forças vitais superiores e inferiores são então consideradas pelos bantos em conjunto com as forças dos homens vivos. E é por elas que eu prefiro nomear as influências do ser para ser das causalidades da vida muito mais que as causalidades do ser; porque os seres os mais inferiores, eles também, os inanimados, os minerais são forças que por sua própria natureza estão à disposição e em relação com as forças que são os homens, as forças humanas vivas, ou como nós diríamos com a força vital dos homens. (TEMPELS: 2000. p.?) tradução livre do francês


Sendo o Nkissi a força viva da natureza é, portanto, um ser incontrolável como incontroláveis são os elementos naturais, daí a longa preparação pela qual passa o postulante a sacerdote uma vez que vai conviver com forças com as quais têm pouca intimidade. São no mínimo sete anos de preparação e estudo dentro do templo para que o indivíduo seja considerado capaz de exercer o sacerdócio e receber o reconhecimento de seus mais-velhos, sendo que a tradição mais estrita exige ainda mais tempo de acordo com a idade do candidato. Pessoas muito jovens são sempre muito censuradas quando assumem um alto posto na hierarquia sacerdotal, porque além do aprendizado de cantigas, rezas e o manuseio dos objetos sagrados, é necessário, ao futuro sacerdote, o recebimento da força vital (nguzu) passada de iniciador para iniciado, elemento sem o qual não poderá exercer seu ofício sacerdotal.

Os velhos sacerdotes têm a clara noção da responsabilidade que o mais-novo assume ao se investir desse difícil encargo a frente de um novo templo ou de um templo antigo cujo sacerdote tenha morrido.

Diferentemente de outros deuses africanos cultuados no Brasil, o Nkissi não tem uma narrativa que o ampare, pois, sendo força da natureza, nguzu, não possui trajetória humana. Talvez também não possua um conjunto de mitos que lhe dê sustentação, provocando dessa forma a impressão de que os bantos não têm mitologia sustentadora de sua teogonia e prática ritual. Evidentemente que os bantos possuem uma rica mitologia cosmogônica, da qual, algumas narrativas chegaram ao Brasil, mas um corpus mitológico que se assemelhe ao dos iorubás ou dos egípcios e romanos, é pelo menos desconhecida dos afro-brasileiros que se reconhecem como bantu. Não temos até agora encontrado elementos que nos autorizem a afirmar que ela existe. No entanto, os Minkissi são conhecidos e cultuados pelos afro-bantu apesar dos mesmos não conhecerem suas mitologias e sim suas ações no cotidiano dos templos e seu desenvolvimento e agilidade enquanto divindades.

Padre Martins(http://www.nekongo.org/2007/ete2007/livre_cabinda.htm) nos dá uma descrição muito interessante a respeito do culto aos Minkissi em Cabinda, oferecendo-nos o seguinte relato: Quando um grupo se desloca em busca de um novo lugar para estabelecer sua aldeia, e depois lá, devidamente estabelecidos, alguém desse grupo sonha com o Nkissi do novo lugar. Por tido tal sonho, procura um Ntoma Nsi da aldeia antiga e relata-lhe o que sonhou. O Ntoma Nsi imediatamente convoca outros notáveis da aldeia e vão até o novo local para consagrar o novo Nkissi assim como o seu sacerdote, ou seja, o novo Ntoma Nsi a quem caberá a guarda e os cuidados com o Nkissi local. Em lá chegando, ele procura, além do que sonhou com o Nkissi, outro homem, que tenha também possibilidades de ser o novo Ntoma Nsi. Esse novo homem não deve saber nada a respeito de que poderá o novo Ntoma Nsi. O Ntoma Nsi da aldeia antiga passa em frente a sua cabana e joga no colo do homem escolhido uma noz de cola (kezu) e a partir daquele momento esse homem passa a ser um possível Ntoma Nsi. Descem todos para o local sonhado pelo aldeão, acompanhados de outros notáveis da aldeia, levando vinho de palma, instrumentos para cavar, assim como uma galinha branca. Lá chegando, o Ntoma Nsi da aldeia antiga pede que cavem um buraco, ou caso seja numa árvore a morada do novo Nkissi, que façam alguns cortes na mesma. No buraco cavado despeja o conteúdo da garrafa de vinho tinto, uma garrafa de mavulo (vinho de palma) assim como nozes de cola (makezu), e, por último, sacrifica ali uma galinha. Por cima de tudo colocam uma esteira nova, e os dois postulantes a Ntoma Nsi devem passar a noite sobre essa esteira nova. Na manhã seguinte, a comitiva retorna ao local e um dos homens, geralmente o que sonhou com o Nkissi é escolhido como o novo Ntoma Nsi da localidade. A partir de então, anualmente, ou em ocasiões de crise na aldeia, falta ou excesso de chuvas, invasões de insetos ou discórdias muito sérias, o Ntoma Nsi faz libações ao Nkissi pedindo sua ajuda para solucionar a grave crise. Também é comum indivíduos procurarem o Ntoma Nsi para resolverem problemas de ordem familiar ou de saúde na família. Pode acontecer de alguém mais poderoso querer agradar o Nkissi por graças recebidas ou para pedir favores e, nesse caso, há oferendas individuais ou familiares. De qualquer modo, uma vez por ano, há uma cerimônia coletiva da aldeia, momento em que todos se preparam para oferecer ao Nkissi bebidas, noz de cola, animais em sacrifício. É também nessas ocasiões que aproveitam para benzer com a lama da cova do Nkissi suas ferramentas agrícolas, de pesca ou suas armas de caça ou de guerra. Em alguns casos específicos, tais como doenças graves, ou traições conjugais, ou como forma de reparação espiritual e de busca de mais energia, de casais ou de grupos de pessoas, acontece uma cerimônia mais prolongada, ocasião em todos se recolhem durante dois dias. Em cabanas previamente preparadas, separadas por sexos, se houver gente dos dois sexos. As pessoas são recolhidas no entardecer do dia, têm suas cabeças raspadas, recebem uma pintura corporal com tacula e lama branca, e durante esses dois dias abstêm-se de aguardente, sexo, carne de determinadas caças e animais domésticos. Aprendem a entoar determinados cânticos e rezas nativas. Ao final desse período, dois dias, descem até um rio mais próximo, onde se banham em água corrente e também é onde descarregam todos os resíduos das refeições que fizeram assim como o restante das pinturas corporais e outros apetrechos usados durante o recolhimento. Essa cerimônia é repetida de dois em dois anos ou sempre que a situação a exigir. Um homem ou mulher que vá entrar numa nova família deverá se submeter a esses atos se quiser ser aceito como parte dessa nova família.

Como é possível observar, entre os Cabindas o Nkissi é um gênio da natureza, tutor do bem estar do povo e é homenageado sempre que necessário. O Nkissi, de acordo com Padre Martins é um ser que subsiste ao homem, pré-existente na natureza e basta ao homem cultuá-lo para receber dele as graças e benesses. Nesse sentido, o Nkissi tem uma natureza diferente do antepassado, sendo que o antepassado é um ser familiar, pertencente à determinada família, ou seja, pertence à categoria dos homens mortos e, apesar de estar presente entre eles, faz parte do panteão dos seres divinais. Os antepassados podem chegar à categoria de ancestrais desde que suas ações na terra tenham sido valorosas, com farta descendência e atitudes bravas e reconhecidas por toda a comunidade.


Para os povos bantu há três classes de espíritos, a saber. Deus, potência universal e inquestionável – Nzambi ou Nzambi ampungo, os gênios da natureza - Minkisses (sing, Nkissi) e os antepassados, sobretudo os ancestrais clânicos e chefes de linhagem, que quanto mais ilustres e bem sucedidos foram em vida, maior e melhor o culto e a devoção que lhes rendem. No Brasil, os antepassados são cultuados nos candomblés de Congo–Angola em locais especialmente preparados para tal fim chamados de Casa de Vumbi – Nzo Nvumbi. Ou na forma de caboclos, que são considerados os ancestrais brasileiros e, portanto, merecedores de culto e honrarias diversas. É-lhes reservado um dia especial de festa em sua homenagem, no calendário litúrgico das casas religiosas de origem bantu sendo que, nas casas mais bem aparelhadas ou com mais espaço disponível, os mesmos, os caboclos, dispõe de um barracão especialmente construído para eles.

Ao contrário dos Minkissi, não possuem assentamentos especiais, pois, segundo a lógica do sistema religioso afro-banto os caboclos vivem livres na natureza e permanecem por aí espalhados pelas árvores e outros pontos da natureza encontrados no espaço da roça de candomblé. São chamados de catiços e são os intermediários entre os Minkissi e os homens, trazendo recados, alertas e reprimendas quando necessário. Em transe nos filhos-de-santo da roça ou no Sacerdote, dão consultas aos filhos-de-santo e clientes ajudando a solucionar problemas de toda ordem e dessa forma, acabam sendo os responsáveis pelo fluxo econômico – representado pelo cliente – mantenedor da casa de culto.

O caboclo, por expressar as vontades dos deuses e poder falar aos homens de igual para igual é uma figura sagrada muito querida e respeitada nos candomblés bantu e, em nossa opinião, é quem melhor perpetua o culto aos antepassados, tradição essa vinda da África. Um dos maiores zelos do homem banto em África é zelar e cuidar para que nada falte ao seu ancestral para que, ele satisfeito, possa interferir na vida da comunidade e proporcionar-lhes vida abundante de saúde, de caça, de muitos filhos, da ausência de doenças etc. O antepassado em África bantu desempenha um papel fundamental na preservação e conservação da vida comunitária e familiar, sendo que os gênios da natureza – os Minkissi – são invocados para resolverem problemas mais de ordem geral, ou problemas mais sérios dos quais os antepassados podem não ter a resposta. Zelar pelo antepassado, e vimos que, a comunidade humana na África bantu é formada pelos homens vivos, pelos homens mortos e os que estão para nascer, é zelar pela própria família e pela comunidade. Sendo a sociedade bantu estruturada em linhagens familiares é fácil perceber a importância do culto ao ancestral na formação e conservação dessas linhagens. A figura do caboclo no candomblé bantu no Brasil tem exatamente essas atribuições. Ele é agregador da comunidade-terreiro, ele é que proporciona a vinda de consulentes que trarão o dinheiro necessário para a manutenção do templo e ele ainda resolve querelas entre os filhos-de-santo ou entre casas similares. Parece-nos que a linhagem familiar que se destroçou com a escravidão tem sido refeita na diáspora através da religiosidade. Uma casa de candomblé bantu, tal como uma aldeia africana, cultua em primeiro lugar Nzambi Umpungo, os Minkissi e os Caboclos, refazendo desta forma a estrutura original afro-bantu.

Novamente nos valemos da palavra da José Martins Vaz para aclarar a questão:


“ Antepassados em sentido próprio – manes – serão os mortos, que pelo cumprimento de todas as tradições da sua etnia, foram recebidos pelos que os precederam na morte e, pela lembrança perdurável dos vivos, pelos sacrifícios constantes que os mesmos lhes prestam, conseguiram sobreviver depois de terem passado pela morte e sua conseqüente diminuição no ser, como já referimos.

Tradições, costumes, diz-se entre os cabindas, chifu, pl. bifu, de modo genérico. Querendo designar os costumes deixados pelos antepassados, dir-se-á mambu ma bika bakulu, a palavra deixada pelos antepassados, ou bifu bi bakulu, as tradições dos antepassados.” VAZ, JOSÉ MARTINS: 1970, p.37-38)


Como se pode ver por essa citação, o antepassado é parte integrante do dia-a-dia do homem afro-bantu, assim como o caboclo é elemento indispensável nas casas de candomblé congo-angola. Uma casa de angola-congo é um templo onde se cultuam os gênios da natureza, os Minkissi, mas é também um templo, um local de culto aos antepassados, peça chave na religiosidade bantu na África e no Brasil.

Mas, voltemos à procedência dos Minkissi e para efeito de análise, agrupamos as divindades por atributos e a seguir aos seus nomes, aparece em letras maiúsculas, o nome do autor, conforme tabela abaixo, origem da divindade, casas que as cultuam no Brasil. Boa parte foi retirada do dicionário de Nei Lopes, (LOPES: S/D) só que os nomes alencados pelo autor estão todos aportuguesados e nós tomamos a liberdade de africanizá-los para facilitar a compreensão e a identificação do leitor.


Fonte:http://mbanzakongo.blogspot.com/2008/10/os-bantu-quem-so-os-bantu-o-termo-bantu.html