terça-feira, 21 de outubro de 2008

Mãe Xagui

Mãe Xagui

Carmelita Luciana Pinto (Salvador, 17 de março de 1929) Mam’etu do candomblé representante da nação Angola Nengwa Rya Nkisi, Terreiro Tumbanssé ou como também é conhecido Unzo Tumbancé, (não confundir com Terreiro Tumbensi), que foi tombado pelo Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal da Reparação (Semur) da Secretaria Municipal da Habitação (Sehab) de Salvador.


Linhagem

A senhora Maria Genoveva do Bonfim, Mam’etu Tuenda dya Nzambi (a gaúcha que se consagrou como “mãe do Angola na Bahia” e fundadora da raiz dos terreiros que carregam o nome Terreiro Tumbensi), apelidada por Maria Neném, era filha de santo do angolano Roberto Barros Reis - Taata Kimbanda Kinunga e também viria a ser a Mam’etu dya Nkisi dos senhores Manoel Rodrigues Nascimento (Kambambi) e Manoel Ciriaco de Jesus (Lundyamungongo), irmãos fundadores, em 1919 – no município de Santo Amaro da Purificação na Bahia do Terreiro Tumba Junsara. O senhor Manoel Ciriaco, Taata Lundyamungongo, foi o Taata kwa Nkisi de Carmelita Luciana Pinto. Esta, por sua vez, nascida 17/03/1929, em Salvador, Bahia, é filha consangüínea dos senhores Apolinário Luciano de Souza e Arcanja das Virgens (filha de santo da Mam’etu Maria Neném).

A senhora Carmelita, Nengwa Xagui, descendente de tal linhagem ancestral, desenha-se numa trajetória marcada por importantes revelações e delineada inteiramente pela presença dos Jinkisi. Numa visita à senhora Maria Neném, a menina Carmelita soube que haveria uma missa designada a São Roque na casa de Manoel Ciriaco e desejou comparecer. Ao chegar, encontrou algumas filhas-de-santo do senhor Ciriaco sentadas no barracão, e também se sentou. Em seguida, ao ver dançar as filhas de santo, a menina espontaneamente repetiu o que via. No dia seguinte foi novamente à casa do senhor Manoel Ciriaco, sua mãe Arcanja não sabia que a filha estava participando da cerimônia e no terceiro dia, ainda hoje afirma: “Não me lembro como passei da casa para o Barracão”.

Iniciação

Carmelita foi iniciada aos sete anos de idade num barco composto por 12 pessoas: 2 pessoas de Kayala, 1 de Dandalunda, 2 de Nkosi, 1 de Gangazumba, 2 de Lemba, 2 de Bamburucema, 1 de Kavungo, 1 pessoa de Mutalambô, com a ressalva de que a filha de Gangazumba estava grávida de um menino que era de Zazi, logo seu barco foi de 13 pessoas com a criança. Xagui foi a dijína nome espiritual trazido por Oxaguiã.

Nesse período, Xagui, que teve, na sua iniciação, ao lado do Tata Lundyamungongo, a presença da Iyalorixá Mãe Bada de Oxalá (quem, da Casa Branca do Engenho Velho, transferiu-se para o Ilê Axé Opô Afonjá), entendia a religião como uma festa, pois, desde os sete anos, dançava o xirê, quando havia festas, domingo, segunda e terça, na casa de seu pai Ciriaco, assim como na casa de sua mãe Arcanja.

Também trabalhava muito carregando água na fonte, o ferro era a vapor, punha as saias na goma, fazia acarajé na pedra, ralava milho e feijão dentre outras atividades do terreiro. “Gostava muito de cantar e dançar, era a dona do pedaço”, lembra Xagui, mas não lhe passava, até então, pela cabeça a hipótese de vir a se tornar uma Nengwa Rya Nkisi. Ainda com dezenove anos e doze anos de iniciada, durante uma obrigação feita para a sua mãe Arcanja, o Tat’etu Nzazi, ao receber uma gamela entregou a ela como se lhe passasse uma responsabilidade. Ajoelhada aos pés de Nzazi ela implorou-lhe para não assumir tal função: “Não, Senhor. Não se pode tirar a espada da mão do jogador”.

Após alguns anos, quando da morte de sua mãe Arcanja, feito o ritual de pós-morte, o nkisi Nzazi deixou, através de uma zeladora de Nkisi procurada pelo senhor Emetério (tata Kondiandembo) e pelo senhor Macofá, responsáveis pela efetivação do ritual, uma determinação expressa de que o Tumbancé deveria ser assumido por alguém da família que fosse filho do Nkisi Lembá. Esta pessoa era Xagui. Ao receber a notícia de que iria, por herança, tornar-se a Nengwa kwa Nkisi do terreiro que fora de sua mãe, Xagui não conteve as lágrimas e o espanto: “(...) não sei como não morri. Eu tive uma crise de choro e dizia: não, pelo amor de Deus, Xangô... se tinha minha irmã, tinha outros, por que eu?”. A partir de então, iniciava-se uma outra etapa da vida de Xagui (agora Nengwa Xagui) marcada por muita dificuldade e por conquistas.

Numa festa no Terreiro do Bate Folha (Manso Bandukenké, fundado em 1916, pelo senhor Manoel Bernardino da Paixão), num curto período após ter assumido o cargo de Mam’etu kwa Nkisi, um Kavungo aproximou-se dela e lhe disse: “por que chora tanto? Pare de chorar e lamentar. Aceite o que está em suas mãos”.

Com 70 anos de iniciação e 30 de sacerdócio, a Nengwa Xagui já iniciou aproximadamente 40 filhos de santo sendo que o primeiro barco de filhos foi constituído por uma pessoa de Kavungo, uma de Bamburucema e uma de Nzazi.

O senhor Emetério Filho (Tata Zinguê Lumbondo), do Terreiro Tumba Junsara, declarou, acerca da Nengwa Xagui: “A primeira vez em que eu a vi no Terreiro, ela, ao chegar, reverenciou uma foto de Ciriaco no barracão. Era uma fotografia, mas ela enxergou ali o seu Tata de Nkisi. Muitos filhos ali presentes – por não a conhecerem – não entenderam. Então eu parei o cântico, pedi que ela escolhesse qualquer uma das cadeiras de Ogã para se sentar e disse: gente, esta é a Mam’etu Xagui. Ela é a pessoa mais velha hoje de todo o Terreiro Tumba Junsara Vão lá e peçam a bênção” (Tata Zinguê)

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